SOBRE A NATUREZA DE JESUS
Leonardo Paixão (*)
No Movimento Espírita muito se fala sobre a obra Os Quatro Evangelhos, de Jean-Baptiste Roustaing e se colocam grandes vultos espíritas como adeptos desta obra, incluindo Chico Xavier, claro. Abaixo algumas análises.
"Baccelli, há controvérsia sobre o assunto: Chico era ou não era rustenista?
- Não, Chico não era rustenista ou roustainguista! Certa vez, quando conversávamos sobre o assunto, num final de reunião da "CEC" (Comunhão Espírita Cristã), ele tomou a palavra e disse que "Maria não iria se casar com José, para um ficar olhando para a cara do outro"... (Do livro "A Trajetória de um Médium", de Carlos Antônio Baccelli, capítulo 14, Papos com Chico Xavier.
A posição de Chico Xavier é a mesma de Kardec e não poderia ser diferente para quem viveu a vida baseada na Codificação Espírita. Em "A Gênese", capítulo XV, itens 64 a 66, Kardec é claro ao dizer que "A estada de Jesus na Terra apresenta dois períodos: o que precedeu e o que se seguiu à sua morte. No primeiro, desde o momento da concepção até o nascimento, tudo se passa, pelo que respeita à sua mãe, como nas condições ordinárias da vida .Desde o seu nascimento até a sua morte, tudo, em seus atos, na sua linguagem e nas diversas circunstâncias da sua vida, revela os caracteres inequívocos da corporeidade. São acidentais os fenômenos de ordem psíquica que nele se produzem e nada têm de anômalos, pois que se explicam pelas propriedades do perispírito e se dão, em graus diferentes, noutros indivíduos. Depois de sua morte, ao contrário, tudo nele revela o ser fluídico. É tão marcada a diferença entre os dois estados, que não podem ser assimilados". (item 65).
No item 66 afirma Kardec: "Se as condições de Jesus, durante a sua vida, fossem as dos seres
fluídicos, ele não teria experimentado nem a dor, nem as necessidades do corpo. Supor que assim haja sido é tirar-lhe o mérito da vida de privações e de sofrimentos que escolhera, como exemplo
de resignação. Se tudo nele fosse aparente, todos os atos de sua vida, a reiterada predição de
sua morte, a cena dolorosa do Jardim das Oliveiras, sua prece a Deus para que lhe afastasse dos lábios o cálice de amarguras, sua paixão, sua agonia, tudo, até ao último brado, no momento
de entregar o Espírito, não teria passado de vão simulacro, para enganar com relação à sua natureza e fazer crer num sacrifício ilusório de sua vida, numa comédia indigna de um homem simplesmente honesto, indigna, portanto, e com mais forte razão, de um ser tão superior. Numa palavra: ele teria abusado da boa-fé dos seus contemporâneos e da posteridade. Tais as consequências lógicas desse
sistema, conseqüências inadmissíveis, porque o rebaixariam moralmente, em vez de o elevarem.
Jesus, pois, teve, como todo homem, um corpo carnal e um corpo fluídico, o que é atestado pelos fenômenos materiais e pelos fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a existência".
fluídicos, ele não teria experimentado nem a dor, nem as necessidades do corpo. Supor que assim haja sido é tirar-lhe o mérito da vida de privações e de sofrimentos que escolhera, como exemplo
de resignação. Se tudo nele fosse aparente, todos os atos de sua vida, a reiterada predição de
sua morte, a cena dolorosa do Jardim das Oliveiras, sua prece a Deus para que lhe afastasse dos lábios o cálice de amarguras, sua paixão, sua agonia, tudo, até ao último brado, no momento
de entregar o Espírito, não teria passado de vão simulacro, para enganar com relação à sua natureza e fazer crer num sacrifício ilusório de sua vida, numa comédia indigna de um homem simplesmente honesto, indigna, portanto, e com mais forte razão, de um ser tão superior. Numa palavra: ele teria abusado da boa-fé dos seus contemporâneos e da posteridade. Tais as consequências lógicas desse
sistema, conseqüências inadmissíveis, porque o rebaixariam moralmente, em vez de o elevarem.
Jesus, pois, teve, como todo homem, um corpo carnal e um corpo fluídico, o que é atestado pelos fenômenos materiais e pelos fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a existência".
A Federação Espírita Brasileira que edita a obra "Os Quatro Evangelhos", coloca notas em sua edição de "A Gênese", no intuito claro de defender a tese do corpo fluídico de Jesus, mas esta teoria não têm a força da lógica e da razão e, por isso mesmo, faz cair todo o edifício de "Os Quatro Evangelhos", pois ela é a sua base.
A Doutrina Espírita, sendo racional por vir de fontes confiáveis: os Espíritos Superiores e tendo as instruções por estes dadas, passadas pelo crivo da mais severa lógica e da razão, não poderia admitir privilégios na criação, pois que admitindo Jesus tendo um corpo fluídico, com sua vida toda de aparências, demonstraria aí a maior injustiça divina, já que o guia e modelo - Jesus - a ser seguido, nada em verdade houvera sofrido e o seu exemplo seria assim irreal e poderíamos então justificar que os nossos erros são de responsabilidade do corpo carnal do qual ainda nos encontramos revestidos. É assim também que o Espiritismo, trazendo a racionalidade da reencarnação como necessidade evolutiva ao Espírito tomba a doutrina do pecado original, da virgindade de Maria, da imaculada conceição, da dupla natureza de Jesus, considerado então como homem e deus, do céu e do inferno bem como do purgatório, da ciência infusa, da santíssima trindade, da confissão auricular, da infalibilidade papal. Todos fomos criados simples e ignorantes e quais crianças avançando uns mais rápidos que outros, tendo outros inclusive avançado antes por haverem percorrido caminhos que percorremos em outros planetas hoje mais adiantados do que a Terra em que vivemos.
Pode-se argumentar que diante do consenso universal a obra de Roustaing foi aprovada pelos Espíritos através de médiuns como América Delgado, Zilda Gama e mesmo Chico Xavier, no entanto, o consenso universal do ensino dos Espíritos não pode se dar após anos e mesmo século de informações vindas, pois vejamos o que Allan Kardec deixou claro na Introdução, item II - Autoridade da Doutrina Espírita em O Evangelho segundo o Espiritismo: "Uma só garantia séria existe para o ensino dos Espíritos: a concordância que haja entre as revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares". (grifos nossos).
Depreende-se que as revelações de novos princípios doutrinários hão de se dar por vários médiuns e em um mesmo momento de tempo e não décadas e mesmo século após, como é o caso de Espíritos defensores da obra de Roustaing. Vale lembrar que Kardec na Revista Espírita de 1866 deixa claro que "Os Quatro Evangelhos" é uma obra prolixa que poderia ser feita em dois ou mesmo em um só volume e que havia já sérias objeções a ela por parte dos Espíritos Superiores.
Como a razão é o guia que move o pensar e a observação espirítica, está claro que a obra de Roustaing é de clara mistificação, como já o denunciaram J. Herculano Pires e Júlio Abreu Filho no livro "O Verbo e a Carne", Gélio de Lacerda no livro "Conscientização Espírita" e em Espírito retorna o Professor J. Herculano Pires no livro "Revisão ou Reafirmação do Espiritismo?", pelo médium Francisco Cajazeiras a denunciar "Os Quatro Evangelhos", que chama de "O Cavalo de Troia do Espiritismo".
Por mais malabarismo filosófico que se deseje e que se tem realizado na defesa de tal obra mistificadora, ela não suplanta a lógica e a razão pelo simples fato de ser, em última análise, destituída destas, basta ler o primeiro volume (lemos os 4 da edição brasileira) e lá se encontrará: a hipnose de Maria por nove meses se achando em "estado de gravidez"; o leite de Maria a se transformar em sangue porque ela amamentava em aparência, também aí estando em estado de hipnose; as idas de Jesus para as Dimensões Superiores e Espíritos a lhe produzirem as vestimentas aparentes para quando retornasse ao palco terreno; a teoria da queda do Espírito que se desenvolvendo no Plano do Espírito e alcançando um alto estado de evolução, se rebela e cai e então é castigado e reencarna como um "criptógamo carnudo" (lesma), tem-se aí a metempsicose em Roustaing que é também revivida em Pietro Ubaldi, em pleno desacordo com o que instrui o Espírito São Luís no item 25 do capítulo 4 de O Evangelho segundo o Espiritismo - Ninguém poderá ver o reino de Deus se não nascer de novo.
O Espiritismo é doutrina da fé raciocinada e não se baseia em "autoridades", pelo contrário, reconhece a autoridade do ensino deste ou daquele Espírito pela lógica, pelo bom senso e pelo amor verdadeiro que fluam de suas palavras.
(*) Leonardo Paixão é trabalhador espírita em Campos dos Goytacazes, RJ, colaborando com um grupo de amigos de ideal no Grupo Espírita Semeadores da Paz.