Por Leonardo Paixão
Resumo
O presente artigo analisa o capítulo II – “Do Espírito em suas relações” – da obra A Loucura sob Novo Prisma, de Adolfo Bezerra de Menezes, à luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec. Buscamos demonstrar a importância da concepção espiritual do ser humano no entendimento das enfermidades mentais, rompendo com o paradigma exclusivamente materialista. A proposta de Bezerra de Menezes inaugura uma verdadeira revolução epistemológica ao inserir o Espírito como agente ativo na gênese e na terapêutica da loucura.
Introdução
A medicina do século XIX, ainda fortemente influenciada pelo materialismo científico, via a loucura como uma disfunção puramente orgânica, restrita ao sistema nervoso. Surge então, em 1898, a obra A Loucura sob Novo Prisma, em que o médico e espírita Adolfo Bezerra de Menezes apresenta uma leitura inovadora: a de que, por trás das perturbações mentais, há uma alma imortal em sofrimento. No capítulo II, intitulado “Do Espírito em suas relações”, ele delineia as formas como o Espírito interage com o mundo e consigo mesmo, trazendo à luz a dimensão ética, psíquica e espiritual das doenças mentais.
O Espírito como Ser Relacional
Bezerra de Menezes parte do princípio fundamental da Doutrina Espírita: o Espírito é o ser inteligente da criação, pré-existente ao corpo e sobrevivente à morte física. Ao tratar das “relações do Espírito”, o autor nos convida a enxergar o ser humano como um ente em constante interação com outras almas, encarnadas ou desencarnadas, e com o ambiente moral e fluídico que o cerca. Essa visão relacional rompe com o reducionismo neurológico e afirma que a sanidade – ou a loucura – está intrinsecamente ligada ao modo como o Espírito se posiciona frente à vida, ao outro e a si mesmo.
A loucura, para Bezerra, não é apenas um distúrbio do cérebro, mas um conflito da alma. Ela pode ser gerada por processos obsessivos, por desequilíbrios morais, por frustrações do desejo, por culpa inconsciente ou por traumas que não encontraram elaboração psíquica. A mente não é um produto do cérebro, mas sua expressão no campo material. O Espírito é, pois, o centro organizador da experiência mental.
Influências Espirituais e Interações Invisíveis
Uma das contribuições mais ousadas de Bezerra está na descrição das influências espirituais que agem sobre o encarnado. Ele afirma que as relações espirituais se dão em dois planos: o visível e o invisível. Espíritos afins, simpáticos ou antipáticos, se ligam a nós por laços vibratórios, potencializando tendências, ampliando conflitos ou inspirando renovação.
Essas influências, segundo a codificação kardequiana (cf. O Livro dos Médiuns, cap. XXIII), não são exceção, mas regra da vida humana. Todos estamos em constante intercâmbio com o mundo espiritual. Quando esse intercâmbio se dá de forma desequilibrada, em sintonia com entidades perturbadas ou vingativas, pode resultar em estados que a psiquiatria rotula como psicose, mania ou esquizofrenia. Bezerra, porém, propõe um olhar ampliado: nesses casos, a terapêutica precisa envolver não só o corpo, mas o Espírito, através da prece, do passe, da transformação moral e da caridade.
A Loucura como Desarmonia do Espírito
O capítulo em questão destaca que a loucura é muitas vezes uma “desarmonia da alma” que se reflete no corpo perispiritual e, por consequência, no cérebro físico. Essa desarmonia pode ter origem em existências anteriores, como também pode ser fruto de más escolhas na atual encarnação. O Espírito, ao romper com as leis divinas que regem o bem viver, experimenta uma cisão interna que, não raro, se manifesta como sofrimento psíquico.
Bezerra antecipa, de certo modo, conceitos que viriam a ser retomados pela psicologia profunda (Psicanálise, de Freud; Psicologia Analítica, de Carl Gustav Jung), como o inconsciente e a repressão. No entanto, sua leitura é espiritual: o inconsciente é também um acervo de experiências vividas em outras encarnações, onde culpas, dores e desejos frustrados se acumulam e podem explodir na forma de doenças mentais. O Espírito não é um mero espectador de sua loucura, mas partícipe ativo de seu drama existencial.
Terapêutica Espírita: Cuidar do Espírito para Curar a Mente
Ao compreender a loucura como um fenômeno espiritual, Bezerra propõe também um novo paradigma terapêutico. Não basta medicar o cérebro: é preciso iluminar a alma. A terapêutica espírita, nesse sentido, inclui a evangelização, a assistência espiritual, o passe magnético, a água magnetizada, mas sobretudo a escuta fraterna e o acolhimento amoroso.
Esse cuidado integral do ser humano dialoga com as propostas mais avançadas da medicina integrativa atual, mas vai além: reconhece a reencarnação como chave para a compreensão do sofrimento e vê na Lei de Causa e Efeito não um castigo, mas uma oportunidade de aprendizado e regeneração.
Considerações Finais
Bezerra de Menezes, no capítulo “Do Espírito em suas relações”, nos oferece um mapa para o entendimento profundo da loucura e da saúde mental, onde o Espírito é o protagonista de sua jornada. Seu pensamento permanece atual e necessário, em um mundo onde o sofrimento psíquico cresce e a medicalização ainda predomina.
Ao trazermos essa reflexão ao movimento espírita, ampliamos nossa responsabilidade na escuta e acolhimento dos que padecem. A caridade, ensina o Cristo, não é apenas dar o pão, mas oferecer o olhar que reconhece a alma no outro. E isso é, talvez, o primeiro passo para toda cura.
Referências
BEZERRA DE MENEZES, Adolfo. A Loucura sob Novo Prisma. 14. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2009.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 91. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008.
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro. 61. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2021.
XAVIER, Francisco Cândido. Nos Domínios da Mediunidade, pelo Espírito André Luiz. 35. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2014.
FRANCO, Divaldo Pereira. Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos, pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. Salvador: LEAL, 2017.