Por Gilberto Perez Cardoso
Médico, Professor Universitário, Escritor e Orador Espírita
Fonte: Revista Espírita de Campos, n.92 - Ano 2009 - Trimestre: Outubro, Novembro, Dezembro.
Todos os grifos são do original
Nesses quarenta anos em que tenho tido a oportunidade de conviver mais de perto e atentamente com diversos médiuns, seja informalmente no dia a dia, seja nas reuniões mediúnicas de que participo semanalmente, aprendi, na teoria, pela leitura e estudo das obras de Kardec, mas principalmente na prática, que a mediunidade, embora sendo uma faculdade psicobiológica universal e, portanto, atributo de todos nós, só se expressa na sua forma ostensiva, em grau mais acentuado, em poucas criaturas.
Nesse período a que me referi, tive a chance de comprovar mediunidade ostensiva em poucas pessoas que inicialmente eram tidas por médiuns. Na maior parte dos casos em que se supunha haver fenômeno mediúnico, a rigor não havia evidências para se comprovar mediunidade ostensiva.
Newton Boechat foi um desses raros médiuns, portadores de mediunidade ostensiva, com quem tive a oportunidade de conviver por longo tempo; através de teste pude comprovar a sua mediunidade. Aliás, o próprio Boechat fazia questão de se testar e apreciava quando alguém o submetesse a tal. Nunca divulgava uma pretensa recepção mediúnica sem antes submetê-la ao crivo da razão, aliás, como sempre recomendou Allan Kardec em suas obras. Disse-me ele, certa vez, que adquirira esse hábito na convivência estreita que mantivera com o Chico Xavier, ainda na fase em que o médium mineiro habitava a cidade de Pedro Leopoldo. Segundo Boechat, o Chico tinha o hábito frequente de testar as revelações que surgiam por seu intermédio. Por vezes, guardava sigilo de comunicações até que pudesse comprovar a razoabilidade e acerto das mesmas.Sábia providência.
Não é o que tenho observado, infelizmente, a muitas comunicações teoricamente "mediúnicas" na atualidade. Há muita comunicação e revelação que não se origina de espírito desencarnado, mas da imaginação daquele que supõe ser médium. Aliás, parece que a origem "mediúnica" confere à comunicação, para certas pessoas, certa superioridade, tem o condão de tornar quase que "sagrada" a revelação, quando se esquece que nem sempre uma ideia surge de um desencarnado e que, além disso, os espíritos são falíveis como todos nós. Kardec recomenda tudo analisar e é taxativo quando alerta para a falibilidade dos espíritos que se comunicam.
Para exemplificar um bom caso de mediunidade ostensiva, além de segura, vou narrar um fato curioso ocorrido comigo e envolvendo o Newton Boechat como médium. Eu mal o havia conhecido, em 1973 quando, ao participar de uma reunião no lar de um amigo comum, o confrade Darcy César Soares, em Copacabana, Rio de Janeiro, Boechat disse-me que estava registrando a presença de uma entidade desencarnada, ligada a mim, que dizia se chamar Jesus... eu mal conhecia o Boechat, que não tinha quase nenhuma informação sobre mim, minha família, minhas amizades de então. No momento, até sorri intimamente, imaginando por extravagante a presença ali de ninguém menos do que o Divino Mestre a me saudar...longe de mim esse merecimento. Mas tudo se aclarou logo em seguida, quando Boechat me transmitiu o recado: "- Diga ao Gilbertinho que sou mesmo o Jesus, mas não nasci em Belém..." Tudo, então, ficou óbvio para mim. Meu avô materno, espanhol, já desencarnado, chamava-se Jesus. Realmente ele nascera na Espanha, na Galícia, e desencarnara em 1955, quando eu contava apenas dois anos de idade. Não me lembro do meu avô, só de "flashes" muito vagos. Sabia, pela família, que ele tinha o hábito de me chamar pelo diminutivo, "Gilbertinho..."
Ora, o Boechat me conhecera havia muito pouco tempo; não conhecia ninguém de minha família e nem tinha informações sobre meus familiares já desencarnados. Muito menos sabia da forma peculiar como meu avô me tratava. Tais elementos tornam a captação mediúnica ostensiva bastante coerente e razoável.
Newton Boechat fazia questão desses testes. Certa vez, em outra reunião do lar uma pessoa o abordou e lhe pediu: " - Newton, eu tinha tanta vontade de que você recebesse uma mensagem do meu pai, já falecido, que se chama Carlos de..." Para minha surpresa, o Boechat respondeu: " - Pois infelizmente eu nunca vou receber uma mensagem de Carlos de..., agora que a senhora me disse o nome dele. Desculpe-me a franqueza, mas eu nunca poderia ajuizar se se tratará mesmo da entidade desencarnada ligada à senhora tentando se comunicar ou de simplesmente minha imaginação. A comunicação deve ser espontânea e depois testada, para se verificar se é autêntica".
E concluiu, contando um episódio relatado pelo Chico Xavier, em que este ensinava: " - Em mediunidade, a campainha sempre toca de lá para cá, nunca daqui para lá..."
Newton Boechat sempre seguiu à risca a recomendação do Chico.
Há outros exemplos muito curiosos da mediunidade ostensiva do Boechat.
A senhora Cinira Novaes, grande amiga nossa, residia na época também em Copacabana. em sua residência havia frequentes reuniões a que comparecíamos, nas décadas de 1970 e 1980. A própria Cinira me narrou o fato que passo a partilhar com o leitor amigo.
Antes de conhecer o Boechat, Cinira, nem espírita era, conversava em sua residência com duas amigas, a pintora Policena Barroso de Souza e a senhora Maria Francisca Alves Ribeiro. Comentava sobre a visita que ela e as duas amigas haviam feito, tempos antes, à senhora CHERUBINA DE AZEVEDO, então internada em hospital no Rio de Janeiro e que acabou desencarnando. Cinira havia dito às amigas, na época: " - A Cherubina já nem nos reconheceu, pois estava em coma. Com a morte do corpo, como sabemos, a alma também desaparece. Morreu, acabou. Isso de alma eterna, eu não acredito." Na mesma noite a senhora Cinira, meio a contragosto, mas curiosa e por insistência de outra amizade das três, iria ao culto no lar do senhor Darcy César Soares, sobre o qual já me referi. De noite, no culto, Cinira e as duas amigas avistaram-se pela primeira vez com o Boechat. Ao término da reunião, Boechat dirigiu-se às três senhoras visitantes e disse: " - Junto com as senhoras está uma entidade espiritual que deu o nome de QUERUBINA, cujo nome anotei aqui num papel, por se tratar de nome pouco comum. ah, perdão, ela já ia se afastando, mas retornou e disse para lhes comunicar que o nome dela é CHERUBINA, com "CH" e também pediu para lhes dizer que ela não morreu".
Cinira ficou abismada, pois a amiga, quando encarnada, sempre fizera questão de ressaltar o "CH" no início do nome. Boechat não conhecia Cinira, até então, e nem tinha como saber que a escrita do nome correto era com "CH". Aliás, grafou erradamente, de início, no papel, QUERUBINA e foi corrigido pela entidade, que retornou e deu a grafia correta. Assim, como me contou a senhora Cinira, ela se tornou espírita por causa de um "CH".
Passemos a outro caso de mediunidade com o Boechat, envolvendo a senhora Cinira. O carro corria veloz na autoestrada Gênova-Pisa, ao volante o Sr. antônio Rosaspina, então presidente do Movimento Spiritico Italiano. Dentro do carro, também Cinira e Newton Boechat. em certo momento, Boechat alerta qeu seu mentor espiritual, Jardel, avisava que estaria presente uma entidade identificada pelo nome FERDINANDO CALZAMALLI, dizendo-se espírito protetor nas reuniões de desobsessão dirigidas pelo senhor Rosaspina. Cinira e Rosaspina protestaram, dizendo que deveria ser CALZAMAGLIA, mais comum em italiano. Boechat disse estar ouvindo muito bem CAZALMALLI. Revelou ainda o espírito que, quando ainda encarnado, fizera certos estudos que desejaria qeu fossem retomados pelo Rosaspina. Rosaspina agradeceu a proteção, mas disse não ter termpo para pesquisas, ocupado que se encontrava por múltiplos afazeres...
O grupo seguiu seu rumo: Pisa, Florença, diversas palestras. alguns dias depois Cinira e Boechat foram a Milão e reencontraram Rosaspina. ao seu lado, um rapaz pobre, carregando livros usados, tentava vender alguns ao Rosaspina. Na lista, o segundo livro era uma obra de... FERDINANDO CAZALMALLI, professor da Universidade de Modena! Nacido em Crema, em 4 de agosto de 1887, desencarnara em Como, em 30 de dezembro de 1958. Era neuropsiquiatra, foi docente na Universidade de Milão, produziu trabalhos experimentais em Psicobiofísica, em Metapsíquica e fora pioneiro na eletroencefalografia e no estudo dos fenômenos eletromagnéticos originados no cérebro humano. Seu mais famoso trabalho intitula-se "le onde eletromagnethice in correlazione con alcuni fenomeni psicosensoriali del cervello umano", quando demonstrou que ondas eletromagnéticas emanavam do cérebro.
Como vemos, a mediunidade ostensiva não é encontrada com facilidade, mesmo no meio espírita. Além da espontaneidade da comunicação, é imprescindível que testes semelhantes aos que acabei de expor evidenciem se a pessoa é mesmo portadora de mediunidade ostensiva. Fenômenos breves de natureza intuitiva ou inspirativa, sonhos, são comuns a todos nós e se confundem com os pensamentos cultivados no dia a dia das criaturas. Os desencarnados estão sempre interagindo conosco e nós lhes somos mais ou menos receptivos. Mediunidade ostensiva é diferente, principalmente pelo grau em que se manifesta e, em consequência, pelo conteúdo que poderá revelar. É importante que a fonte seja fidedigna e seu conteúdo coerente com os ensinamentos dos espíritos superiores e, além disso, que atenda aos ditames da razão.
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