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terça-feira, 16 de maio de 2023

Silêncio pensador (Conto espírita)

Por Leonardo Paixão (*) 


Ele estava em seu quarto. Há horas estava a pensar. Aproveitava o fim de semana para ficar consigo mesmo. Afinal, neste século XXI, a correria é grande no dia a dia. 

E lá estava ele a pensar, pensar. Sobre o que pensa? Paulo Henrique (o chamaremos a partir de agora de P. H) pensava sobre o início da vida humana, como tudo começou e se fazia sentido todo esse processo cotidiano do trabalho que garante a sobrevivência. 

- Sobrevivência? - perguntou de si para is o nosso personagem.

E continuou: Há séculos atrás o ser humano não tinha as condições de vida que possui hoje. Os pobres da Roma do século II eram verdadeiramente miseráveis. Neste século XXI em que vivo, os pobres tem acesso à escola, à informação, à alimentação e, até, a algum supérfluo. Sem falar nos benefícios proporcionados, a depender da avaliação de renda per capta ou não - renda que o governo federal aqui no Brasil - proporciona a partir do equipamento do SUAS: Sistema Único de Assistência Social, neste caso, notadamente os CRAS - Centro de Referência e Assistência Social.

Mas, como foi que chegamos aqui, neste patamar?


A mente de P. H. fervilhava. Ele era um espírito curioso e ávido por conhecimento. Devido a uma vida de dificuldades na adolescência, não pode seguir a carreira acadêmica. Ele teve de sustentar a família por um bom período de tempo e o fez com muita responsabilidade, tanto que pôde ver aos irmãos estudarem e alcançarem o nível superior na educação formal.

P. H. era um leitor assíduo e, hoje, se continha para poder ler de forma disciplinada, porque não mais só os livros físicos, mas os apps no celular para baixar livros como o Play Livros, o Kindle (app e e-reader), os livros em pdd baixados no computador e os áudiolivros acessiveis em plataformas como youtube. Chegamoa à Era do Conhecimento e, paradoxalmente, chegamos também à Era da Desinformação com o avanço das fake news. 


Trabalho, cursos, cuidar da casa (P. H. morava só), dar atenção aos pais e irmãos, essa a vida de nosso pensador. Em fins de semana como aquele, aproveitava para, no ócio, refletir sobre a existência humana e seu sentido.


- Há um real sentido para tudo isso? É a lei da evolução? E essa lei, é apenas biológica ou há algo de espiritual nela - refletia P. H. fazendo lembrar os filósofos da Antiga Grécia que buscavam, a partir de Sócrates, entender o ser humano.


Como dissemos, P. H.  era um leitor ávido. Na sua adolescência leu autores incomuns - assim consideravam os familiares - para a sua idade. Sob os seus olhos desfilaram as tragédias de William Shakespeare, os contos e os romances de Fiódor Dostoiévski, os romances de Liv Tolstoi, os de Gustave Flaubert e a literatura feminina de Clarice Lispector. Apesar de sua pouca idade, P. H. conseguia absorver, senão toda a compreensão de que os/a autores/a queriam dizer, boa parte o fazia refletir sobre as questões próprias ã espécie humana: tragédias amorosas, conflitos familiares, suicídio, desemprego, guerras, melancolia, medos, solidão, ódio, esperança, desespero, ambição, filantropia, etc.

Em seu quarto, silencioso quarto, onde as paredes testemunhavam as nuvens de pensamentos que irrompiam de sua mente esfervilhante, estavam presentes as recordações dos livros que havia lido, os contos que envolviam sua emoção àquela época e que agora seriam bem melhor compreendidos, devido a duas condições: P. H. estava se dedicando ao estudo da Filosofia e a maturidade intelectual o favorecia.

Descoberta, que prazer sentia ele nessa palavra! Sim, porque, agora, com estudos em um nível acadêmico, P. H. descobriu o quanto ele podia desenvolver seus pensamentos e,com os atuais estudos qie estava fazendo da Filosofia da Existência, compreendeu que, em seu caso, fora esta a base que lhe faltara para um maior aprofundamento sobre a angústia humana.

Dentre os autores que estava a se debruçar temos: Søren Kierkegaard, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus.

Encantou-se com a linguagem deles, teve sim, dificuldade em entender Heidegger, mas um esforço e, pronto, a luz da compreensão se fazia, tal como a luz da Criação no relato bíblico do livro Génesis.

O pensar o ser humano em si trazia algumas respostas para o por quê de suas angústias, mas, pensava P. H.: "Isso ainda não me responde o que os pré-socráticos se perguntavam: De onde eu vim? Qual a minha origem? Por que nasci? Há vida após a morte?". E retomava a pergunta: "Há um real sentido para tudo isso? É a lei da evolução? E essa lei, é apenas biológica ou há algo de espiritual nela?"


- Já sei! - disse consigo o nosso personagem - Tenho de me socorrer da Ciência da Vida, a Biologia, afinal, ela estuda justamente isto: a vida.

- Hum... por onde começo? - pensou.

- Ah! Sim, sim, vou ver as aulaa gratuitas de Biologia que tem no youtube e desse modo vou entender melhor o que lerei neste livro. P. H. estava nas mãos com o livro Biologia para o Ensino Médio, um calhamaço de quase mil páginas!

Os olhos de P. H. estavam vidrados nas aulas e nos documentários sobre a origem da vida. Não era esta a sua área de conhecimento, havia dificuldades para bem entender as ligações físico-químicas e compreender o sentido dos vários nomes exóticos dos variados elementos estudados pela microbiologia.


- Desistir?! Nunca! Por mais que me seja difícil entender agora, vou prosseguir.

E ele prosseguia, parava os vídeos onde havia expressões desconhecidas e buscava no glossário do livro que tinha em mãos o seu significado e passava, às vezes, uma hora ou mais pensando sobre, fazendo pontes com os conhecimentos que já possuía nas áreas de Filosofia, Literatura e Ciências Humanas. Quem pudesse ver, como eu que aqui escrevo vejo para além das letras, as cenas, a movimentação a desenrar-se no pensamento de P. H. veria um filme de ação digno de ser exposto nos arquivos da cinematografia holywoodiana.

Pausa na ação.

- Preciso parar um pouco, relaxar, afinal, estou querendo descobrir segredos do universo. Mas, pera lá!, se na Antiguidade, desde os mitos, quantas coisas após a demitificação foi descoberta! Por que ainda hoje não se tem na Humanidade uma síntese dos conhecimentos adquiridos até hoje?


Batem à porta. P. H. olha e vê quem é antes de abrir. Havia uma pequena câmara instalada na parte de fora de sua casa.

- Olá!! Que surpresa! Faz algum tempo, não é, meu amigo?

- Sim, P. H., a vida nos traz responsabilidades e para bem as cumprir temos de nos dedicar - respondeu o amigo Geraldo.

- Sim, e aí, o tempo para nós mesmos e para estarmos a visitar parentes e amigos escasseia...

- Perfeitamente - concordou Geraldo, no entanto, não podemos nos deixar levar, pois do contrário, ficaremos distantes de família e amigos e isso não é saudável.

- Isso mesmo, Geraldo, precisamoa estar a nos movimentar para não nos afastarmos e, por isso, é tão importante o aprendizado de gerirmos o tempo.

- Falar em tempo, continua na Faculdade de Filosofia?

- Ah! Sim, continuo, verdadeiramente amo conhecer.

- Sim, P. H., não esperaria algo diferente de você, sempre nos colocando a pensar, e isso, desde a adolescência.

- Obrigado pelo reconhecimento, fico sensibilizado.

- Ora, não vai chorar cara!!

- Não chegarei a tanto, mas se chorasse seria justo, porque neste nosso país, onde a Educação não é um investimento que atraia os governantes, tal consideração é para tanto sim. Concorda?

- Lá vem você, P. H., sendo o P. H. de sempre, já colocando a conversa em um nível mais elevado. Gosto disso em você. Aprecio mesmo. Falamos tantas bobagens no decorrer de um dia...

- Verdade. Mas, e você, continuemos a filosofar, mas sem falarmos na política então, o que diz sobre a vida, digo, sobre o início da vida na Terra?

- Bom, P. H., eu também tinha minhas dúvidas, meus questionamentos, mas eles terminaram, hoje, já não penso sobre o sentido da vida e sim em como estou a viver a vida.

- ???? - a fisionomia de P. H. mostrava espanto e dúvida a respeito da resposta do amigo.

Sentados ambos em um sofá confortável e tomando cada qual uma xícara de café que P. H. havia providenciado, um breve silêncio pairou no ar, interrompido logo depois por Geraldo.

- Vejo seu espanto P. H. e te digo que não foi simples alcançar este caminho.

- E como o alcançou? 

- Tal como você alcançou seus conhecimentos: lendo e refletindo.

- Então você está a me dizer que é adepto de alguma nova Filosofia?

- Nova podemos dizer pelo corpo de doutrina que ela traz, mas está no mundo desde sempre...

- Ora, como assim?

- Você estuda Filosofia e já leu as obras de Platão, certo?

- Sim. Não todas, mas O Banquete, Mênon, Fédon, Críton, Parmênides, A República, são obras que li sim.

- Logo, percebeu, especialmente nas obras Mênon e Fédon o que Platão coloca nos diálogos socráticos que transcreveu sobre a imortalidade da alma e sobre a reencarnação...

- Sim, Geraldo, até que Sócrates ia bem em sua argumentação no diálogo Fédon, mas quando ele fala que retornaríamos em corpos de animais, não vi lógica e nem justiça aí, pois se evoluímos para seres racionais, humanos, seria um retrocesso na lei de evolução tal retorno.

- Exatamente P. H., mas temos de atentar no contexto histórico.

- Claro, claro, não podemos deixar de olhar para tal contexto.

- Então, naquela época recuada no tempo, não havia ensinamentos mais precisos para se passar ao entendimento do ser humano daquele período, certo? Mas, não te deixa intrigado o fato de que tais conceitos como uma Força Sobrenatural Superior ao homem, imortalidade da alma, reencarnação, estejam presentes em diversos povos antigos tais os egípcios, gregos, indianos, chineses, japoneses, nos países da África, e tantos outros povos maia que a História nos aponta?

- É, realmente, é preciso pensar mais profundamente a respeito para se achar a causa ou causas dessas coincidências... - falou P. H. se sentindo impactado por tal questionamento.

- Meu amigo, vou deixar três presentes para você e que muito me ajudaram nas repostas que eu buscava, pode ser que te ajudem também.

Geraldo que sempre andava com sua mochila, a abriu e retirou dela três livros: um exemplar de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec,  outro de O Ser e a Serenidade, de José Herculano Pires e um de Evolução em Dois Mundos, do Espírito André Luiz, psicografia de Chico Xavier.

P. H. pegou os livros, olhou os títulos e ficou pensativo se valeria a pena ler tais obras que, segundo as poucas informações que tinha seriam não de Espíritos, mas fruto da mente dos médiuns em estado alterado de consciência.

- Geraldo - falou P. H. - eu te agradeço, mas, tem certeza que aqui nessas obras vou encontrar respostas para as minhas dúvidas?

- Se tenho certeza, claro que não!! Até porque, cada um lê e interpreta ao seu modo, porém, como pensador que você é, não haverá de desprezar a leitura ou me engano?

- Não, não, lerei com atenção e depois te digo.

- Vou indo lá, meu amigo - despediu-se Geraldo abraçando P. H.

- Ok. Irei ler e depois te respondo sobre minhas impressões em um outro momento "Café Filosófico" - brincou P. H.


Passaram-se os dias e P. H. lia as obras presenteadas a ele por seu amigo.

Estava impressionado com o que estava a ler.

Em O Livro dos Espíritos deixou diversas perguntas grifadas e com sinais de interrogação para posterior pesquisa sobre; encantou-se com  o livro de Herculano Pires que lhe calou fundo na alma, até pelo fato de ser escrito por um Filósofo que também estudou a Filosofia da Existência; a obra de André Luiz o deixou pasmo, pois foi pesquisar sobre a origem da obra e descobriu que os médiuns Chico Xavier e Waldo Vieira a receberam em Estados diferentes e não havia uma lacuna em que se pudesse perceber alguma falha no desenvolvimento do raciocínio. E mais: Waldo Vieira era médico, logo, de sua mente poderiam vir tais conhecimentos na esfera da Biologia, mas e Chico Xavier que não era médico e muito menos teve avançada educação formal, isso também o intrigou.

Passadas mais algumas semanas e P. H. ljga para Geraldo.

-Alô! - atende Geraldo.

- Oi. É o P. H., e aí, topa no sábado a noite ir lá em casa para outro "Café Filosófico"?

- Sim, meu amigo, às oito da noite está bom?

- Para mim está bom sim, até lá Geraldo.


Chega o sábado e Geraldo já está na casa de P. H. e ambos estão se deliciando com café  e quitutes outros que P. H. preparou para aquele momento. 

- Geraldo, estou impressionado!!

- Eu estava a pensar se existiria uma obra que fosse a síntese dos conhecimentos humanos até agora acessados e em O Livro dos Espíritos temos esta síntese, obviamente que não há neste livro conhecimentos de informática, nada se fala sobre Inteligência Artificial, claro, pelo contexto da época em que foi escrita, mas há na obra questôes que avançam no ramo da química, da física e responde às questões pré-socráticas. E o desenvolvimento delas em livros como o de Herculano Pires e no do Espírito André Luiz, realmente estou mesmo admirado, filosoficamente admirado!

- Fico feliz em ouvir isso, meu amigo e tinha mesmo esperança de que não seria diferente.

- Muito obrigado, Geraldo, muito obrigado mesmo!!

- Não há de que, meu amigo. E agora você pode dar um novo passo.

- Qual?

- Se quiser poderá estar indo em uma reunião de estudos espíritas no Grupo que frequento. Não te convidarei para palestra, porque pode ser que não te agrade nesse primeiro momento e também porque em um estudo você poderá contribuir, mesmo que seja com dúvidas, afinal é delas que chegamos às respostas almejadas.

E foi assim que P. H. conheceu a Doutrina Espírita e em seu silencioso pensar galgou novo degrau em seu viver.

(*) Leonardo Paixão é trabalhador espírita no Grupo Espírita Semeadores da Paz, Campos dos Goytacazes, RJ, grupo que fundou e preside.



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